Ontem começou o The International Dota 2 2019 (vulgo TI), e é comum o ritual de acompanhar o campeonato todo o ano. Tanto que meu artigo final da especialização (2016) foi em cima dos vídeos (videologs) dos campeonatos (TIs) de Dota 2 e suas múltiplas telas/câmeras em um mesmo espaço, dividindo a mesma tela para mostrar o mesmo objeto (o jogo): montagem espacial.
A presença de múltiplas telas em transmissões de campeonatos de jogos digitais é bastante comum, e é uma prática que foi resgatada da televisão: assim como coberturas esportivas ou programas nativamente televisivos, esses videologs acrescentam imagens reais de câmeras que capturam expressões e as interações dos jogadores, até as transmissões de partidas em campeonatos que combinam imagens de câmeras reais com as equipes jogando e a plateia assistindo com câmeras sintéticas reproduzindo as imagens do jogo. Todas essas múltiplas telas que compõe o videolog apresentam o mesmo objeto, simultaneamente, com formatos e enquadramentos diferentes. Ou seja, essa pluralidade dos audiovisuais passa a ser uma virtualidade, a qual se atualiza de inúmeras formas (por exemplo, em câmeras de segurança, na televisão, no cinema, nos games).
Acompanhando via o site de streaming Twitch.tv o primeiro jogo do campeonato na noite passada, uma coisa me chamou a atenção e que me fez olhar para esse solo e perceber vestígios contendo uma lembrança desse meu artigo da especialização, assim como o meu projeto de entrada no programa de mestrado (mencionado acima). Como uma característica instituída nesses videologs de jogos digitais, haviam as múltiplas telas, a variação de câmera, todos esses pontos mencionados anteriormente. Porém, dessa vez havia um novo elemento presente nessa transmissão: atualmente somente o Dota, dentro da plataforma da Twitch, possui a possibilidade da transmissão “multicast”, tendo um “caster” como “mediador” dos demais.
O que seria multicast e caster? Trocando em miúdos, caster seria o equivalente a “centralizador” da transmissão (ou gerente da transmissão, que acaba funcionando como mediador) e multicast o equivalente a “multitransmissão” (indo ao encontro da proposta dessa multiplicidade de quadros que temos nesses videologs). Cada transmissão individual possui seus próprios casters. No caso do multicast, essa figura que gerencia a transmissão em determinado momento apresenta na tela, para o espectador, outros quadros simultâneos da transmissão de pelo menos quatro partidas diferentes do mesmo campeonato (partidas simultâneas). Neste momento onde são apresentadas essas quatro telas, esse mediador fala brevemente um resumo de cada um dos jogos, escolhe um deles (uma das telas) e passa a transmiti-la. A câmera da um zoom no jogo escolhido e passa a transmitir somente este selecionado até o final da partida.
Esta novidade nas transmissões do The International Dota 2 atualiza essa perspectiva que analisei em artigos passados, trazendo em maior evidência esses rastros televisivos quando, por exemplo, temos mais de um jogo de futebol sendo transmitido ou acontecendo no mesmo horário. Quando a bolinha salta no canto da tela sinalizando que houve um gol em uma partida que não está sendo transmitida no lugar do jogo que está sendo o foco na programação, sabemos que tem uma atualização de informação sobre outra partida. Passam-se alguns segundos, às vezes minutos, e o narrador da partida fala algo como “vamos ver o gol do time de pirambolinhas do norte” e muda a tela para outra partida.
Essa opção de transmissão do campeonato de Dota 2 enquanto multicast traz em si as pessoas narrando mais de uma partida individual (cada uma com seu narrador), e tem essa figura centralizadora que acaba mediando tudo isso (o jogo, os comentários, lances importantes, etc). Sabe-se que ao falarmos de campeonatos de jogos digitais e sua proximidade com a televisão, existem campeonatos como o caso de League of Legends que passa em canal fechado (como na Espn), temos o movimento do jogo que vai para a TV, mas há muito de TV nessas transmissões via streaming.
Percebemos o mundo através de montagens, do mesmo modo que a própria cultura funciona por meio dessa constituição de elementos como um modo de ser. Essa montagem não é de fato organizada: é conflito. Eisenstein (2002) nos elucida de que o “conflito dentro do plano é montagem em potencial que, no desenvolvimento de sua intensidade, fragmenta a moldura quadrilátera do plano e explode seu conflito em impulsos entre os trechos da montagem”. Portanto, percebemos a presença de um audiovisual espacializado: há uma montagem dentro da montagem, onde há uma multiplicidade virtual que se atualiza. Esse post é mais uma breve reflexão por conta dessa nova característica na transmissão de campeonato de Dota 2 e o uso de múltiplas câmeras, com o acréscimo dessa modalidade multicast. É uma atualização de um objeto que acho bastante interessante e que contém rastros e vestígios de reflexões que já fiz em outro momento da vida acadêmica. Um rico (e potente) objeto audiovisual presente em meio aos jogos digitais.