Dia desses apareceu no meu feed do Twitter uma postagem falando do lançamento de um “novo” console da Intellivision. Imediatamente fui atrás de informações e tais encontros me fizeram refletir sobre resgatar memórias a partir do lançamento de um console com uma nova roupagem. Isso aciona automaticamente um agir arqueológico que habita em mim, pois a arqueologia das mídias nos permite produzir essa visada arqueológica nos materiais, bem como um pensar arqueologicamente.
Fazendo um breve resgate, o Intellivision é um console de videogame de 1979, lançado pela Mattel Electronics. Como o próprio nome indica, é uma ideia de uma “televisão inteligente”. No mesmo ano que o seu principal concorrente Atari 2600 entra no mercado, em 1977 é dado início ao desenvolvimento do Intellivision. No Brasil, houveram Digimed e Digiplay Intellivisions, fabricadas pela Sharp em 1983. A empresa teve o seu desenvolvimento de jogos iniciado em 1978 até 1990, ano que a Intellivision foi descontinuada.
Este console marcou época, sendo considerado um dos grandes consoles já produzidos. Uma de suas características que chama a atenção é um novo periférico para o Intellivision introduzido em 1982: o módulo de síntese de voz Intellivoice. Era um recurso original pelos seguintes aspectos: tanto as vozes femininas e masculinas eram constituídas com sons humanos contendo sotaques distinto; os jogos de apoio à fala fora todas projetadas com a fala como parte integrante do jogo. A Mattel Electronics chegou a construir um laboratório de processamento de voz para que fosse possível produzir as frases usadas nos jogos Intellivoice.
Sete anos se passaram de sua descontinuação, até que dois ex-programadores da Mattel Electronics (Keith Robinson e Stephen Roney) obtiveram os direitos exclusivos à Intellivision e aos jogos em 1997, tornando assim os jogos do console disponíveis novamente. Neste mesmo ano, formaram a Intellivision Productions e assim tornaram possível o Intellivision para PC Volume 1 com download gratuito. É a primeira vez que os jogos Intellivision podem ser jogados em um computador moderno! Nesse download que foi disponibilizado incluía três jogos Intellivision e um emulador MS-DOS Intellivision, o qual reproduz o código original do jogo. Tiveram sequências (Volume 2 e mais três jogos) após essa disponibilização do primeiro download. Em 2000, além de novos jogos para download disponibilizados, houve também emuladores do Intellivision possíveis para Windows ou Macintosh.
Temos que reconhecer que, em 1997, houve uma tentativa quanto ao avanço de uma cultura de open-source e modding. A empresa anunciou em 1997 que venderia ferramentas de desenvolvimento que permitiam que você pudesse programar seus próprios jogos Intellivision. Havia a premissa de ter o fornecimento de documentação, montadores cruzados compatíveis com o PC e a interface do cartucho Magnus II PC Intellivision. Infelizmente, esse projeto foi cancelado, porém, mesmo assim, foram fornecidos cópias de “Your Friend the EXEC”, um guia de programadores do software de controle executivo da Intellivision. Alguns anos se passaram, e em 2000 tiveram alguns entusiastas do Intellivision que conseguiram criar suas próprias ferramentas de desenvolvimento, incluindo nisso tudo os cartuchos de memória Intellivision.
Claro que rende muito mais pano pra manga falar sobre a história da Intellivision e tudo o que este console (assim como outros, como o Atari) fizeram para a história dos videogames. Retomando a pulga atrás da orelha que lanço no inicio desse post, a partir do anúncio de um novo Intellivision — o Intellivision Amico, realizado no dia 19 de agosto deste ano na Gamescom: não temos aqui somente um resgate pensando no console remodelado, atualizado, mas principalmente no discurso de resgatar a ideia de reunir a família, juntar os amigos para se divertir como antes. Resgatar esses momentos ao redor do videogame, manter viva essa memória e esse sentimento de nostalgia. Mexer com a memória de quem teve um Intellivision nos anos 80. Ou como diz o próprio anúncio “Redefining Entertainment with Family & Friends! United… once again.“
Uma outra característica das arqueologias das mídias, que vale expor aqui, é a de construir histórias alternativas em mídias esquecidas, apontada por Fischer (2015), a qual vai ao encontro com o pensamento de Huhtamo e Parikka (2011) onde os autores reforçam que a arqueologia da mídia “vasculha arquivos textuais, visuais, sonoros; assim como coleções de artefatos, enfatizando tanto as manifestações discursivas como materiais da cultura” (HUHTAMO; PARIKKA, apud FISCHER, 2015, p. 185). Mas para instigar uma reflexão mais profunda, não parece suficiente nos debruçarmos apenas em cima de uma arqueologia das mídias, mas sim aproximar da ideia do archaeogaming. Isso nos possibilita ir além da materialidade dos videogames, abordagem a qual a arqueologia da mídia percebe o jogo enquanto um artefato físico olhando para a caixa, os manuais, os cartuchos, explorando toda uma história de uso, seja em nível pessoal, comercial ou a instância que for. Como arqueo-gamer podemos investigar tanto o hardware quanto o software e de que maneira eles se combinam na jogabilidade do jogo.
Essa evolução e/ou resgate de um console de um outro tempo do qual nos encontramos reforça a ideia que tenho encontrado cada vez mais forte na minha pesquisa, que é essa capacidade de criar memórias, independente da sua forma (enquanto materialidade física ou na forma de dados/códigos/engines). Henri Bergson já nos trazia a ideia de que todos os produtos comunicacionais (incluindo aqui os jogos e consoles) podem ser pensados como corpos dotados de memória. E essa memória se manifesta das mais diferentes formas, muitas vezes retornam transformadas ou com uma roupagem mais coerente com determinado tempo (cronológico) ou jogo que a abriga.
Referências
BERGSON, Henri. A evolução criadora. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FISCHER, Gustavo Daudt. I don´t wanna be buried in an app cemetery: reflexões sobre arqueologia da mídia online entre histórias de aplicativos derrotados. In: FERNÁNDEZ, Adrián José Padilla; MALDONADO, Alberto Efendy; VELA, Norah S. Gamboa. (OrgS.). Procesos Comunicacionales Educación y Ciudadanía en las Luchas de los Pueblos. Caracas: Fondo Editorial CEPAP-UNESR, 2015. (p. 183–202).
REINHARD, Andrew. Archaeogaming: na introduction to archaeology in ando f vídeo games. New York: Berghahn Books, 2018.
TELLES, Marcio. A(s) arqueologia(s) das mídias em quatro teses. Disponível em <http://portalintercom.org.br/anais/nacional2017/resumos/R12-0084-1.pdf>. Acesso em 5/7/2018.