Comumente vemos em meio a produtos da cultura pop algum personagem com o poder de mover coisas com a mente. Quem nunca, quando criança, tentou ficar fixamente olhando para um objeto para ver se o mesmo se movia? No fundo, é um poder que muitos adorariam ter [ao menos eu acharia o máximo — o cúmulo do comodismo]. E se fosse possível jogar videogame onde os movimentos do jogo se desse a partir desse controle? Na década de 80 [quase] chegamos próximo dessa ideia com o Atari.
Videogames [de todo tipo — do console ao pc] não são apenas um aparato técnico ou um mero “brinquedo”. São produtos culturais e produtores de sua própria cultura (os tornando um meio). Por serem uma forma de cultura material, é possível examiná-los por meio de lentes arqueológicas. Erkki Huhtamo e Jussi Parikka, no livro Media Archaeology: Approaches, Applications, and Implications, elucidam que “baseados em suas descobertas, arqueólogos das mídias começaram a construir histórias alternativas das mídias suprimidas, negligenciadas e esquecidas, as quais não apontam teleologicamente para a condição cultural-midiática atual como sua ‘perfeição’. Becos sem saída, perdedores, e invenções que nunca chegaram a se converter em produto material têm histórias importantes para contar”.
Por mais que apareçam histórias alternativas dos objetos de mídias, a partir de um agir arqueológico, este é um movimento que procura trazer para a superfície esses artefatos (dispositivos) soterrados. Ou ainda, materialidades que tiveram certa relevância em determinado tempo e espaço, o que vem a colaborar para o desenvolvimento dos objetos de mídia. Nesse movimento de espiar pelo retrovisor e avistar o Atari Mindlink, podemos observar a aplicação dessa visada arqueológica na história desse aparato.
Erkki Huhtamo ainda vai nos dizer que a história da tela, por exemplo, “flutua entre a imaginação e o mundo das coisas. Como portais para exibir e trocar informação, as telas se situam numa zona limítrofe entre o material e o imaterial, o real e o virtual”. Portanto, podemos encarar a tecnologia não como objeto, mas como um espaço para ser vivido, experimentado.
Ainda dentro de uma perspectiva arqueológica, convoco aqui brevemente o conceito de archaeogaming, definido por Andrew Reinhard como uma arqueologia de e em jogos: um campo de estudos que contempla desde a exploração de representações da arqueologia [ciência] dentro do universo do jogo, investigar aparatos físicos dos jogos [escavação do jogo E.T. da Atari em Alamogordo] até a escavação de código e/ou a criação de jogos para explorar teorias e métodos arqueológicos. É bastante produtiva esse pensamento do archaeogaming pelo fato de termos um importante impacto comercial e social que os jogos/videogames tiveram anteriormente e ainda possuem [cada vez mais] hoje.
Ao me deparar com a recente matéria da revista Wireframe, o faro arqueológico da mídia [ou de uma archaeogamer] entrou em estado de alerta. Intitulado Holograms, tanks, psychics… Atari’s unexplored creative paths, o texto foi escrito por Howard Scott Warshaw, um dos desenvolvedores de videogames pioneiros da história, onde dentre uma de suas criações está o jogo do E.T. Na matéria, Howard fala um pouco sobre caminhos/possibilidades criativas inexplorados pela Atari. O que achei bem interessante nessa leitura em determinado aspecto, é aparecer a questão das simulações em jogos.
Howard vai pontuar que esta é uma área que a indústria de videogames criou uma mudança dramática — a tecnologia de simulação, algo que costumava ser um departamento exclusivo de programas acadêmicos financiados pelo governo e entusiastas (vamos dizer assim). Mas, tal tecnologia e as ferramentas que foram criadas para facilitar a produção de videogames acabaram gerando mudanças drásticas na economia da simulação. E faz sentido, uma vez que a maioria dos videogames visam criar novos ambientes ou simular os existentes nos quais os jogos podem ser jogados.
A matéria traz o episódio com o Atari Mindlink: um conjunto de controladores e software que não chegou a ser lançado para o Atari 2600 (originalmente planejado para lançamento em 1984). Uma combinação de faixa de cabeça que controla o jogo lendo a voltagem do sinal mioneural na testa do jogador, onde os movimentos da testa são lidos por sensores infravermelhos [transmissor e receptor] e, assim, transferidos como movimento no jogo — controlar as ações na tela. O sistema Atari Mindlink poderia ser conectado ao Atari VCS 2600, Atari 7800 e, também, a computadores domésticos.
Eu nunca havia ouvido falar sobre esse sistema/aparato, até porque nasci anos depois [1987]. Instintivamente fui atrás de mais informações sobre o Mindlink e encontrei o site Atari Museum. Na página que trata sobre esse sistema tentativo da Atari, aparece que a empresa estudou a interface de pessoas com computadores e videogames de uma maneira completamente nova [especialmente para a época]. Uma maneira singular de interação a qual teve uma breve curva de aprendizado para fazer com que os controles respondessem apenas ao menos movimento dos músculos da testa. Ou seja, praticamente a ideia de pensar em movermos um objeto [alô, Eleven!], por isso o nome — Mindlink.
Mas, houve desenvolvimentos e explorações dentro da Atari que também falharam em “mover a agulha cultural”, como o laboratório de holografia. Entretanto, deve-se reconhecer que a Atari estava à frente de seu tempo ao apresentar inovações como essa. Howard comenta que a Atari criou o maior laboratório de holografia que o mundo já viu, em uma época onde tudo parecia estar se movendo nessa direção. Uma vez que o laboratório foi estabelecido, havia a questão do que fazer com ele. O sistema Mindlink poderia ter levado os jogos sem controle para as salas das casas dos anos 80. Sem dúvida, com tempo para refinamento e com o avanço tecnológico que temos hoje, por exemplo, a ideia do sistema Mindlink poderia ter se tornado um periférico de sucesso [vide aparatos de realidade virtual, ainda que em suas primeiras gerações].
Por vezes, tratamos esses acontecimentos como uma espécie de “morte da mídia”. Para Jussi Parikka, em seu livro What is Media Archaeology?, “a morte da mídia é lamentada: a descontinuação da produção da plataforma giratória de vinil Technics 1200 (1972–2010) ou do Sony Walkman (1978–2010); formatos perdidos de fitas magnéticas a disquetes de vários tamanhos têm seus próprios entusiastas da preservação; jogos abandonware como jogos do início dos anos 90 estão vivendo uma vida de zumbi na Internet; e as práticas de consumo de mídia também estão se tornando retrô”. Por mais que sejam lamentadas, não temos um óbito definitivo para essas mídias antigas — até mesmo as que nunca chegaram a efetivamente circularem: elas na verdade nunca nos deixaram. Seja por meio da constante remediação dessas mídias, renascendo e passando a ter novos usos, contextos e adaptações.
Ou ainda, pensando a partir da ideia da technostalgia, na prática contemporânea da memória, conforme Tim Van Der Heijden, “as tecnologias de mídia não apenas constroem e mediam memórias, mas também se tornam objetos da própria memória”. Podemos [e devemos] pensar os objetos de mídia, no caso os jogos, como portadores de memória, onde isso irá nos possibilitar analisar os regimes de memória e práticas criativas presentes na cultura da mídia. Há um atravessamento de uma dialética de lembrança e esquecimento na concepção desses objetos.
A Atari mudou o mundo com certeza, mas não de todas as maneiras que tentou (o episódio Mindlink foi um exemplo disso). Uma das maneiras interessantes pelas quais a Atari mudou o mundo foi, principalmente, pelo legado.