A jornada de uma jovem padawan

“Always pass on what you have learned.” ( Yoda, The Jedi Master)

Fonte: Pexels.com

Quem me conhece há muitos anos sabe bem que nunca fui a aluna nota 10. Tinha dificuldade para levar à sério os estudos, sempre passava “na média” quando não pegava recuperação. Felizmente nunca reprovei. Estudei da pré-escola até o terceiro ano do ensino médio na mesma escola, um colégio estadual, colégio de ensino público. E me orgulho disso. Talvez no período escolar eu não tivesse maturidade suficiente para aproveitar o que me era oferecido ou em me dedicar mais para colher os frutos ao fim do ensino médio.

Sou natural de Santa Maria, coração do Rio Grande do Sul, uma cidade universitária e militar. Terra da primeira Universidade Federal em uma cidade do interior do Brasil: a UFSM. Na época em que eu estava no ensino médio havia o PEIES (Programa de Ingresso ao Ensino Superior), extinto em 2011. O PEIES era uma alternativa de entrar na UFSM, onde o processo consistia em prestar uma prova no final de cada ano do ensino médio. No terceiro ano, se você estivesse dentro do ponto de corte do curso escolhido e estivesse prestando o vestibular tradicional, o aluno poderia optar por qual processo faria a redação (se pelo PEIES ou pelo vestibular). Essa era uma grande oportunidade para ingressar na universidade. Uma grande oportunidade que na época eu não soube aproveitar, e tão pouco sabia ao certo que carreira seguir. Essa é uma outra crítica que tenho quanto a essas tomadas de decisões tão importantes e tão cedo para um adolescente, que fica para um outro momento.

Terminei o ensino médio em 2004. Fiz o PEIES para Matemática Bacharelado, pelo motivo de querer entender o “porque os professores dificultavam tanto o aprendizado” (meio bobo, mas era minha briga com as exatas). Não passei. Fiz no mesmo ano vestibular na UFSM para Ciência da Computação, pelo motivo de ter dois tios que trabalhavam com informática e isso me motivava, além de colecionar revistas sobre como hackear e criar sites no FrontPage. Não passei. Tudo isso sendo reflexo da falta de dedicação minha com os estudos (lembram, eu não era uma aluna nota 10). Assim, 2005 foi o ano que não tinha mais a frequência escolar e passei a ter um ano dentro de cursinhos pré-vestibulares.

Nesse um ano me preparando para mais um processo de vestibular, surgem aquelas incertezas do que cursar. Meu pai, que trabalha no IBGE sempre me incentivou a cursar Geografia, pois ele sabia que e tinha facilidade para isso e claro de algum modo ia ao encontro da profissão dele. Coloquei em questionamento eu gostar de mexer em programas no computador, se era realmente aquilo, pois me frustrei em não ter entrado em Ciência da Computação (que de certo modo me arrependo não ter valorizado o momento). Um ex-namorado da época comentou uma vez de eu tentar algo na área da Comunicação ou Desenho Industrial: eu gostava de desenhar, escrever, fuxicava nos programas de edição de imagem, etc. Acabaram estas sendo minhas opções na segunda tentativa de entrar em uma universidade: na UFSM tentei para Desenho Industrial, na UNIFRA (hoje UFN) tentei para Comunicação Social — Habilitação em Publicidade e Propaganda.

É na segunda tentativa que entro no curso de Publicidade e Propaganda da UNIFRA (UFN) e dou início ao curso em 2006. O curioso é que no primeiro semestre do curso, e imagino que para a grande maioria seja assim, eu não levava muito a sério. Era novamente o retrato daquela aluna que não era nota 10, que tirava o que precisava para passar na disciplina. Mas tem o momento da girada de chave, onde simplesmente as coisas mudam e aos poucos tu começa a se puxar mais, dar o melhor. Tive a fase de me encantar pelo curso, e admito que esse brilho meio que se apagou depois de entrar no mercado de trabalho publicitário, onde não encontramos o “conto de fadas” vendido ao longo do curso. Bom, formavam publicitários, pessoas capazes de convencer alguém a comprar um produto ou adquirir um serviço, eu deveria ter logo entendido isso e não sonhar tanto.

Porém ter cursado Comunicação Social, ser de humanas, não foi somente essa desilusão com o mercado de trabalho. Conheci pessoas incríveis, tive um orientador que me incentivava na pesquisa, me envolvi em projeto de extensão, fiz estágio na Editora da UNIFRA (UFN) como bolsista onde diagramava revistas acadêmicas, fiz até duas disciplinas no curso de Design da mesma instituição. Eu sentia que tinha um pouco em mim que pulsava pela pesquisa, mas tive uma segunda frustração com a minha banca na defesa final do TCC (Trabaldo de Conclusão de Curso). Frustração que compartilhei com meu orientador que sentiu o mesmo, onde o trabalho merecia mais do que realmente teve, por não ter tido uma leitura cuidadosa por parte dos avaliadores. Mas vida que segue, não é mesmo?

Concluí o curso no final de 2009. Janeiro de 2010 foi a formatura. Diria que 2010 foi um ano decisivo e decisões erradas, porém a gente aprende com os erros e isso tudo nos fortalece. Em julho de 2010 vim morar em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul, onde resido até hoje. Saí da faculdade com a frustração acadêmica pela banca e com a frustração do mercado de trabalho. Mas os boletos e a vida adulta não têm tempo para frustrações, e só lamentar não paga contas. Então, bora encarar o mercado e trabalhar.

Vocês podem (ou não) imaginar como é difícil vir do interior do estado e tentar a vida numa cidade em que ninguém te conhece. Pior ainda se tratando de agência de propaganda, onde existe muito o famoso QI (Quem Indica). Passados os primeiros meses consegui entrar no mercado. Passei por algumas agências, não as maiores, mas as de tamanho suficiente para cruzar o caminho de pessoas incríveis e aprender muito. Posso dizer que me desenvolvi e amadureci muito como profissional, trabalhando sempre com Direção de Arte (fazedora de layout). Só que em 2013 voltou aquele pulsar pela vida acadêmica, a necessidade de buscar mais conhecimento, me desenvolver e querer menos estar dentro de uma agência. Então, porque não tentar uma seleção de mestrado da UFRGS? Tentei e não passei. Claro, 3 anos de formada, focada 100% no mercado, competindo com pessoas que já estão de cabeça nesse universo acadêmico.

Foi então que dessa vez decidi não desistir dessa vontade e ingressei em 2014 no curso de especialização da UNISINOS em Cultura Digital e Redes Sociais. O objetivo era com a especialização eu ter maiores condições de tentar uma seleção de mestrado novamente. Conheci pessoas incríveis, e tive um orientador que é um dos maiores incentivadores do lugar que me encontro hoje e se tornou um grande amigo. Com o trabalho final da especialização consegui desdobrar dois artigos e ir em dois congressos apresentar (Intercom 2016 e SBGames 2016), além de ter recomendação no meu trabalho final para seguir um mestrado. Vocês não fazem ideia do quão emocionante é receber algo do tipo tendo esse histórico em que você não diz que eu mereceria isso. Pois é, a vida tem dessas coisas. Nos surpreende, ou aprendemos a nos conhecer e a nos valorizar como somos, sem medo de acreditar na nossa capacidade.

No mesmo ano, tentei a seleção de mestrado da UNISINOS mesmo, passei: mas não ganhei bolsa para poder cursar em uma instituição particular. Quem é que retorna? Ela, a frustração novamente. Estava começando a acreditar que não era para eu fazer mestrado, que eu estava me iludindo com essa vontade. Por insistência do meu orientador da especialização e do meu atual companheiro, tentei a seleção seguinte em 2017 (para a turma de 2018). Disse para ambos que até tentaria, mas seria a última vez, se não fosse aprovada e com bolsa eu nunca mais iria tentar.

Passei. Com bolsa CAPES. E não acreditei.

Era a minha tão sonhada chance de mudar, de ir atrás de algo que eu acreditava ser o que me encantava, e largar o mercado publicitário. Março de 2018 comecei o Mestrado em Ciências da Comunicação no Programa de Pós-Graduação da UNISINOS, na Linha de Pesquisa em Mídias e Processos Audiovisuais. Ninguém diz que é fácil, ainda mais o mestrado tendo uma duração tão curta e que demanda tanto esforço da nossa parte. Larguei a agência que estava trabalhando para me dedicar às disciplinas, e não foi um ano nada fácil por inúmeros motivos. Só que mesmo assim, eu não me importava, meu olho brilhava a cada aula, a cada trabalho, a cada ideia que recebia um incentivo de volta. Eu realmente não estava enganada quanto a ingressar e fazer pesquisa e que isso era o que fazia eu pulsar de satisfação e alegria. Me agarrei tanto nesse sonho que venho colhendo os melhores frutos e com perspectivas incríveis que só me incentivam a ir mais longe. Seja conhecendo pessoas diferentes, de lugares diferentes, com pesquisas que se relacionam com a minha, com um aprendizado e conhecimento que jamais poderá ser tirado de mim.

E a Camila que não era a aula nota 10? Bom, aquela Camila me ensinou coisas de alguma forma em que hoje, olhando pelo retrovisor, vejo que o que faltou era incentivo e que tudo bem não se esforçar o quanto se esperava na escola.

Notas não te definem.

Acredito que as coisas acontecem no seu devido tempo e lugar. Posso dizer que no mestrado é onde tive as minhas melhores notas (inclusive alguns 10), algo que quem conhecia a Camila de antes não diria ser possível isso hoje. Mas que bom que a gente muda e tem a oportunidade de provar o contrário e superar essas barreiras. Claro que estudar o que a gente gosta facilita, mas não é só isso que faz a mudança. É preciso passar por um autoconhecimento e um caminho nem sempre tão fácil para aprendermos a valorizar certas coisas, aprender a priorizar os nossos sonhos. É um exercício se orgulhar das várias versões de Camila que se atualizam na Camila de hoje, onde cada pedacinho disso tudo forma quem eu sou hoje.

Fato curioso que hoje me pego pensando: estudo jogos digitais (passa pela computação), neles aplico a metodologia de arqueologia e desbravo territórios virtuais (se aproxima da geografia, mapas). São algumas pistas de quando eu ainda estava prestando vestibular que aparecem hoje no meio dos meus estudos. Rastros de que eu não estava tão distante do que eu realmente gostava, só a questão de ser o tempo certo, a famosa maturação.

Ainda tenho mais obstáculos a serem vencidos, e com certeza irei superá-los, olhar para traz e me orgulhar dessas conquistas. Hoje estou há 15 dias da minha banca de qualificação do mestrado, e estou bastante ansiosa para esse momento em que terei que lidar com uma das minhas maiores dificuldades: falar em público, dividir minhas ideias sem achar que eu esteja falando uma bobagem (sim, acreditem, é difícil para mim). Este ano tive que retornar para o mercado publicitário, porque né, boletos… eles nunca param de chegar. Tem sido bem puxado conciliar trabalho com mestrado, mas estou conseguindo provar para mim mesma que consigo dar conta. Além do que, ter voltado a trabalhar, mesmo que não seja o meu objetivo principal, tem me proporcionado poder participar de congressos (financeiramente falando).

É claro que pretendo seguir um doutorado após concluir o mestrado, por ser apaixonada pelo o que eu pesquiso e pela pesquisa em si. É o que me move e o que me motiva. É o que faz o meu coração bater mais forte. Fora o sonho de ter uma experiência fora do país. Mas não podemos esquecer: um passo de cada vez. Olhando para trás e vendo todo o percurso e dificuldades ao longo do caminho, para mim não foi fácil chegar onde estou hoje. É preciso ser persistente e acreditar em si mesmo. Vão ter pessoas que vão te puxar para trás, assim como vão ter pessoas que vão querer te ver voar (sempre tenha por perto quem quer te ver voar!). Vão ter momentos que você vai se questionar se é isso mesmo, vão ter momentos de certeza de estar no caminho certo. São nesses momentos de tensionar o que realmente queremos que surgem as melhores oportunidades. Assim como a publicidade não é um mar de rosas, o meio acadêmico também não é, porém, se você ama o que faz, não tem tempo ruim.

A jornada segue, os sonhos se renovam, e a cada passo uma nova Camila se reinventa, se atualiza.

via GIPHY

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *