Entrevista: Comunicação e Jogos

No dia 20 de julho, a convite do Prof. Dr.  Alex Martire, do curso de Arqueologia da USP, participei de uma entrevista realizada pelo grupo de pesquisa ARISE – Arqueologia Interativa e Simulações Eletrônicas. O grupo vem produzindo uma série de entrevistas com pesquisadores acerca de discussões que contemplam o campo da arqueologia digital e áreas correlatas.

A entrevista foi conduzida pelo professor Alex e mais dois membros do grupo, Matheus Morais e Tomás Partiti. O diálogo contemplou as seguintes questões: a minha pesquisa; o uso do conceito de archaeogaming pela Comunicação; tecnocultura; interface de jogos; e o jogar hoje – pensando nas comunidades da Twitch, bem como enquanto mulher e jogadora.

Archaeogaming e Comunicação

Ao falar sobre archaeogaming, é importante destacar que este é um conceito muito recente. Aos poucos os trabalhos que abordam a temática em meio a comunicação estão surgindo. A maneira que me parece produtiva para debater sobre, é aproximar da forma como me apropriei do archaeogaming em minha dissertação do mestrado.

Inicialmente, fui tateando o conceito, lendo a respeito, cheguei a fazer contato com o Andrew Reinhard – quem deu vida a esse conceito. Andrew é uma pessoa que me ajudou e ainda ajuda bastante com as trocas que passamos a ter. Com isso, acabei descobrindo outras pessoas que trabalham com essas discussões, em sua maioria arqueólogos. Me identifiquei muito com a Tara Copplestone, indicada por Andrew, pela sua trajetória: ela vem da área de desenvolvimento de jogos e se aproximou desse agir/fazer arqueológico com os jogos. No meu caso, venho da Comunicação.

Uma forma de melhor exemplificar o uso do conceito na minha pesquisa, foi trazer um pouco da aplicação em minha dissertação. Junto com a arqueologia das mídias, o archaeogaming surgia como um escopo metodológico. Isso auxiliou na observação de meu objeto, que era a franquia do jogo Diablo. Ao longo do percurso e pela riqueza que a pesquisa se apresentou, ambos se tornaram uma visada teórica-metodológica na pesquisa.

A arqueologia das mídias nos permite produzir uma visada arqueológica nos materiais, bem como pensar a mídia arqueologicamente em meio a cultura contemporânea: a arqueologia das mídias como forma de investigar as possíveis novas culturas da mídia, seja com enfoque nos aparelhos, práticas e/ou invenções já esquecidas, singulares e, por vezes, não óbvias.

Então, à medida que encaramos os objetos de mídia como portadores de memória, essa prática arqueológica permite que possamos analisar os regimes de memória e práticas criativas presentes nessa cultura da mídia. São objetos que são atravessados por uma dialética de lembrança e esquecimento, e a exemplo disso, temos a própria obsolescência programada de jogos e de outras materialidades da mídia.

Não é sobre ver apenas um viés histórico desses objetos, mas principalmente o que nesse percurso foi negligenciado e/ou esquecido, soterrado pelo tempo. Dois autores, dentre tantos outros possíveis, que utilizo para estas reflexões são Erkki Huhtamo e Jussi Parikka, onde para eles a arqueologia das mídias “revisita arquivos textuais, visuais e sonoros, assim como coleções de artefatos, enfatizando tanto as manifestações discursivas quanto materiais da cultura”.

A ideia de encarar os jogos enquanto sítios arqueológicos, além de ser uma possibilidade metodológica, é uma forma rica para se olhar para os jogos e entender estes espaços. Jogos são objetos culturais e, também, produtores de uma cultura – o que os tonar um meio. A partir desse olhar aproximando do archaeogaming, que em minha pesquisa passo a entender que o jogo contém em si seu próprio mundo, portanto, sua própria cultura.

É um olhar que me possibilitou explorar dentro do jogo, pensar naquele solo que eu escavava enquanto jogadora: ao estar dentro do jogo, me colocando como uma arqueo-jogadora (archaeogamer), me possibilitou investigar artefatos a partir da experiência/exploração daquele mundo, permitiu identificar eventos que ocorrem dentro do jogo, me dando a liberdade de me mover trabalhando em um campo aberto. O archaeogaming, desse modo, nos possibilita explorar e vivenciar a própria cultura que existe ali no espaço do jogo.

Desse modo, o archaeogaming se apresenta em minha pesquisa com a possibilidade de identificar camadas como a lembrança da ordem da franquia do jogo (outros produtos da mesma série, versões, atualizações etc.), uma lembrança de outros meios, entre outros. Quando passamos a encarar os objetos de mídia enquanto portadores de memória, a memória do jogo passa a ser escavável ao archaeogamer, o qual passa a dizer algo sobre si mesmo para além de gêneros, ruídos, programação etc.

Tecnocultura

Na linha de pesquisa a qual me encontro em meu doutoramento (Mídias e Processos Audiovisuais), bem como no grupo de pesquisa o qual faço parte (TCAv), tecnocultura é um conceito muito utilizado, do mesmo modo que existem inúmeros autores que trabalham com ele. Uma autora que utilizo, a Debra Benita Shaw, salienta que para termos um entendimento sobre a tecnocultura (e o que nela habita): precisamos levar em consideração não somente a maneira como o conhecimento sobre o mundo é produzido e seus usos, mas especialmente se ater nas formas culturais alternativas que emergem.

Para o Prof. Dr. Gustavo D. Fischer, toda e qualquer formação social é impactada pelo conjunto de dispositivos que está disponível, alterando tanto a percepção quanto as nossas ações. Os aparatos técnicos podem aprimorar a realização de atividades já existentes, possibilitar a criação de novos procedimentos e, inclusive, tornar alguns esforços obsoletos.

Ou seja, cada técnica, ao se apresentar como mídia, acaba por impor as suas regras, o seu programa. Desse modo, é importante reforçar que não cremos em determinismo tecnológico. Estamos falando sobre pensar a tecnocultura onde a técnica cria espaço em que a cultura cria forma: a imbricação entre cultura e técnica de seres humanos, de processos sociais, de procedimentos tecnológicos, de ferramentas etc.

É utópico pensarmos a cultura contemporânea sem nos referirmos à técnica e, conforme Silverstone (1999) argumenta, a tecnologia não deve ser entendida meramente como máquina, pois inclui as habilidades, competências, conhecimentos e desejos sem os quais uma sociedade não pode funcionar. Na mesma esteira, Bruno Latour afirma que a sociedade sempre foi uma rede indissociável de entidades tecnológicas e humanas, portanto a “visada tecnocultural” é um modo de pensar culturalmente as tecnologias e assimilar como as práticas culturais e sociais se desenvolvem à volta dos avanços tecnológicos, refletindo como a técnica contagia o tecido social e vice-versa.

Sobre a experiência

Sempre é muito produtivo quando essas trocas são proporcionadas entre áreas que são correlatas. A área da Comunicação dialoga com facilidade com as demais. Por trabalhar com a arqueologia das mídias, faz com que se tenha um ‘olhar arqueológico’ para as coisas ao redor – um agir/fazer arqueológico. Ter me aproximado e estar trabalhando com o conceito de archaeogaming em minha pesquisa, em conjunto com a arqueologia das mídias, me aproximou um pouco também da arqueologia (ciência): o autor do conceito de archaeogaming é arqueólogo.

A partir daí pude ampliar também o meu olhar e encontrar possibilidades de intersecções com a nossa área da Comunicação. É sempre bom estarmos abertos, em diálogo com outros pesquisadores e áreas. Podem render reflexões produtivas e que agregam ao nosso conhecimento e formação.

Optei por expor mais sobre archaeogaming, comunicação e tecnocultura no corpo do post, mas as demais questões que atravessaram a entrevista podem ser conferidas no vídeo aqui no final do post. Falei mais sobre a memória em jogos eletrônicos e a afetividade; interface nos games e os excessos de informações (de HUD) na tela; o impacto/importância de plataformas como o Twitter e a Twitch no mundo dos jogos; e um breve comentário sobre meus projetos futuros relacionados aos temas que debatemos.

O grupo de pesquisa ARISE é vinculado ao Museu de Arqueologia e Etnologia, da USP. A entrevista completa está disponível no canal do YouTube do grupo de pesquisa ARISE, e também pode ser assistida clicando abaixo.

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