As Audiovisualidades dos Videologs de Dota 2

É comum nos depararmos com toda uma computadorização das tendências da cultura de um modo geral e essa nova formulação dos objetos de mídia tende a se manifestar cada vez mais com o passar do tempo. Com um olhar voltado para as novas mídias, este trabalho buscou investigar as novas narrativas sob a lógica algorítmica dos videologs das partidas de Dota 2, um jogo de RTS de Ação (Action Real-Time Strategy) e também considerado um MOBA (Multiplayer Online Battle Arena).

É possível, através de montagens espaciais, construir diversas narrativas num único plano visual mantendo uma unidade na história a qual se quer contar. No universo dos games, é comum termos vídeos produzidos pelos próprios jogadores mostrando o gameplay de determinado jogo até mesmo em tempo real (Twitch.tv), e neste caso, enredos compostos por planos diferentes, o uso da tela com múltiplas visões (MultiTwitch), imagens que tragam não somente a partida mas também o jogador e o ambiente em que ele está. Uma união de diferentes elementos para juntos contar uma história para quem assiste. A investigação que foi feita nos videologs das partidas de Dota 2 tem como objetivo entender como a construção dessa nova narrativa é feita a partir de montagens espaciais. Assim, entender como essas imagens são produzidas através de algoritmos e quais narrativas que emergem desses videologs.

O MultiTwitch: uma breve apresentação

Em meio aos jogos, existe uma plataforma on-line que possibilita essa experiência espacial para acompanhar partidas de campeonatos ou gameplays dos próprios jogadores da comunidade de determinado jogos: é o MultiTwitch.


Captura de tela da plataforma Multitwitch. Fonte: Steam Community http://steamcommunity.com/sharedfiles/filedetails/?id=166498790

Aqui é o software que atua para criar essa superfície estética com uma montagem espacial. Este recurso permite o usuário assistir qualquer número de “Twitch” (Twitch.TV, canal de streaming de de jogos) ao mesmo tempo através da URL: por exemplo multitwitch.tv/siglemic/cosmowright. A partir do endereço na barra de navegação, a plataforma otimiza toda a estrutura de fluxos mantendo uma boa aparência, com enredos compostos por planos diferentes, tela com múltiplas visões, imagens que tragam não só a partida mas também o jogador e o ambiente em que se encontra. Uma união de variados elementos onde somados contam uma história para quem assiste.

“São os jogos que nos dão algo para nos ocuparmos quando não há nada a ser feito. Por isso, costumamos chamá-los de ‘passatempos’ e os consideramos um frívolo tapa-buracos em nossas vidas. Mas eles são muito mais do que isso. São sinais do futuro. E cultivá-los com seriedade agora será, talvez, nossa única salvação.” (SUITS, Bernard. 2005)

Dota 2: uma breve apresentação

Dota 2 (Defense of the Ancients 2) é um jogo de RTS de Ação (Action Real-Time Strategy) e também considerado um MOBA (Multiplayer Online Battle Arena). Este jogo é uma versão refinada do Dota 1, onde possui gráficos melhores e também por continuar com um dos seus desenvolvedores originais (IceFrog). O Dota em si na realidade é o mod mais famoso do jogo de Warcraft 3, que é um jogo mais estratégico onde o jogador precisa construir um tipo de reino e destruir todos os seus inimigos, podendo contar com alguns aliados e possuir alguns heróis. A partir da engine de Warcraft nasce o Dota, desenvolvido por alguns jogadores fãs do jogo.


Captura de tela produzida pela autora.

Videologs de Dota 2: partindo para a análise

Os jogos digitais têm ganhado destaque no mercado de entretenimento, onde alguns deles contam com grandes campeonatos em nível mundial sendo considerados hoje como e-sports (esporte eletrônico) e seus jogadores reconhecidos como atletas. Com esta nova forma de olhar para os games, as partidas dessas competições são narradas e possuem estruturas físicas como se fosse um jogo de futebol ou qualquer outro esporte.


Captura de tela produzida pela autora.

Na imagem acima, encontramos uma tela multifacetada trazendo a interface do Windows, o browser, o conteúdo dentro do browser na página do YouTube e o vídeo com as quatro câmeras. Nesse misto de molduras em uma mesma tela, logo de início vemos uma característica visual apontada por Lev Manovich (2001) onde a multiplicidade de vários eventos independentes dentro de um mesmo espaço se faz presente. É a quebra de tarefas em sequência, deixando de operar uma a uma e conquistando a ruptura de uma lógica que nas novas mídias perde força: uma única imagem/tela. Com a constante remediação de seus antecessores, as novas mídias acabam por se tornar um grande mosaico em que ao mesmo tempo temos consciência das peças individuais que ali se fazem presente (Bolter & Grusin): a transmissão do evento, o jogo, a interface do computador, o browser, a narração, os links.

Na imagem a seguir, o foco é no objeto audiovisual repleto de quadros e molduras — telas dos computadores, as quatro câmeras do vídeo, a bandeira da China, os quadros com os logotipos dos times participantes na plateia, a cabine onde os jogadores estão, a interface do jogo. Essa multiplicidade visual forma esse estatuto dessa imagem nas novas mídias, criando uma simbiose da corporeidade da torcida e jogadores rodeados por estruturas físicas (máquinas) e virtual, assim como imita o cinemático contendo imagens reais com imagens técnicas.


Captura de tela do vídeo “The Play”, elaborado pela autora. Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Ldq1afiKQb8

Outra maneira de encarar essa composição espacial é com um olhar estético para essa experiência que o usuário vive de múltiplas tarefas e múltiplas janelas de interface gráfica, sem ser necessariamente “lado a lado” mas também por meio de camadas: no primeiro quadro temos o jogo o qual é composto por uma camada cinemática em que ocorre toda ação do próprio jogo e em cima disso temos uma camada do software/GUI proporcionando uma profundidade; no segundo quadro a plateia rodeada de interferências como painéis com logotipos dos times que estão competindo no evento; na terceira câmera aparece o time da NaVi e no quarto quadro o time da IG, ambos imersos no jogo dentro de uma cabine em meio a toda uma estrutura física e virtual.


Captura de tela do vídeo “The International 3: Alliance vs NaVi”, produzido pela autora. Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=08SlUCv6Mpg&t=96s

No vídeo da final do campeonato “The International 3: Alliance vs NaVi” (captura de tela mostrada a cima), é possível notar uma pequena evolução na estrutura visual da montagem dos quatro quadros na tela. Cada janela é um elemento ativo da interface gráfica e passam a ser quadros e hyperlinks múltiplos de forma simultânea no conjunto da obra. As ações que ocorrem no decorrer do tempo de partida mudam o conteúdo de um quadro ou acaba criando um novo quadro, em que neles a condição da tela é acometido por completo. Isso é a reinvenção dos antecessores dessa nova mídia, pois o espaço não depende mais do tempo, o que é simultâneo não precisa ser necessariamente uma sequência.

A real experiência de quem observa, seja o público que está lá, ou o olhar do jogador, ou de quem analisa este vídeo é o que dá todo o sentido para esse processo (Bolter & Grusin, 1999). Ou seja, não existe uma mídia que seja isolada de todas as demais sem que tenha algum tipo de relação ou conectividade. Percebe-se como a hipermediação influencia e constrói a imagem na tentativa de reproduzir essa experiência sensorial humana, ampliando e destacando os elementos de toda a mediação, apresentando um ambiente diversificado, dividido por janelas onde cada uma possui suas particularidades independentes (significado, identidade visual, programação, estilo gráfico, etc).

Cada uma dessas telas mostra uma situação/momento com um motivo em comum: o jogo. Visões e ângulos diferentes de experienciar um mesmo objeto de nova mídia. Desencadeia um misto de reações que compõe a narrativa da obra de arte completa: uma jogada importante levando empolgação ao público que fica em pé e reage, a concentração de ambas as equipes em jogo e momentos de intimidação entre os jogadores de dentro de suas cabines (nesses ‘aquários’ onde eles estão, uma equipe fica de frente para outra, sendo mais uma “janela” de interferência na construção da narrativa). É possível notar que cada quadro do vídeo é uma janela clicável que direciona especificamente para aquele vídeo/câmera. Isso caracteriza a montagem espacial: começamos com a tela do computador, a janela do browser, o vídeo do YouTube, a tela do jogo, as quatro janelas em forma de mosaico no vídeo onde cada uma dessas janelas leva para uma nova janela, e ousaria colocar aqui nessa conta a janela entre um aquário e outro entre os times adversário no local da partida.

É possível identificar um padrão nesse formato da nova mídia caracterizado pelas inúmeras janelas num mesmo espaço atemporal, independentes uma das outras onde a construção da narrativa será realizada pelo olhar de quem observa organizando na sua imaginação o enredo que melhor faz sentido. Se toda a experiência de cada usuário é distinta, isso proporciona variadas versões para o mesmo trabalho, ou seja, a variabilidade daquilo que é contado/mostrado é de responsabilidade de quem observa/interage. Com a constante remediação de seus antecessores, as novas mídias acabam por se tornar um grande mosaico em que ao mesmo tempo temos consciência das peças individuais que ali se fazem presente (Bolter & Grusin): a transmissão de um evento, o jogo, a interface do computador, o browser, a narração da partida, links.


Captura de tela produzida pela autora. Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Tv2OHtLDKxI

Não somente com uma moldura bonita de quadros mais elaborada e temática, no vídeo “The International 5: EG vs CDEC — The Grand Final” (imagem a cima), a evolução da estrutura do campeonato tomou proporções muito maiores (assim como sua premiação). Observa-se que a competição ocorre em um estádio (KeyArena9 at Seattle WA, EUA), quase que um ringue quadrado de boxe, com o público ao redor do centro onde se encontram dois “aquários”: em um o time da EG e no outro o time da CDEC, ambos um de frente para o outro. Logo acima das cabines, existem quatro telões exibindo a partida para quem está presente no local do jogo (mais telas dentro de telas). É possível ver o monitor de cada um dos jogadores, sendo assim, novamente a janela dentro de outra janela, replicando mais uma janela, dentro de um espaço fechado que pertence há um espaço maior (a caixa dentro de outra caixa). A tela do jogo também presente no objeto, é constituída pelos seus elementos com pequenas janelas de informação, mostrando o jogo se encaminhar para o final da partida e definir a equipe vencedora da 5ª edição do campeonato.

Mais uma vez percebe-se a reinvenção de modelos anteriores na forma de representar algo cinemático que contém imagens “reais” juntas com imagens técnicas. Um show televisivo com uma experiência dinâmica envolvendo o jogo, o estádio, a plateia, os jogadores e quem observa na frente do computador tudo isso ao mesmo tempo. Pode-se considerar que nesse campeonato, o que se está cultuando é a imagem sintética transmitida no telão do estádio: quando inserimos o homem em meio a inúmeras máquinas, cada um desses “aquários” onde os times se encontram passam a sensação de serem uma máquina humana que interagem coletivamente para produzir essa imagem sintética; o telespectador não vibra pelos jogadores que estão presentes ali, pois eles somem praticamente dando espaço para o que está sendo projetado. Cada um desses módulos visuais representados no vídeo, continuam sendo partes independentes uns dos outros onde somados formam o todo. Isso permite uma manipulação sem que o restante da construção seja interferido por suas alterações graças a modularidade na programação de computadores no quesito estrutural. Isso passa a ser uma consequência da transcodificação: traduzir algo para um outro formato.

Um ponto curioso e que vale ser levantado como reflexão é o contágio que essas imagens proporcionam em meio a cultura do jogo (arena/aquários), contaminando o cinema (imagens sintéticas): são concebidos em tempo real sendo fruto da subjetividade de cada jogador que está interagindo com a máquina e com os algoritmos. Os torcedores são o resultado de uma mistura de jogo (grita/comemora/pula/vibra), mas também passam a impressão de como se estivessem em uma sala de cinema assistindo a um “filme” projetado em uma tela.


Captura de tela produzida pela autora. Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=J8AJSXQsj_Y

Construir a narrativa de um objeto da nova mídia é apenas um método de acessar dados. Na a cima, a narrativa é um domínio do algoritmo do jogo, onde junto com toda uma base de dados, molda uma reflexão da representação computadorizada. Porém nem todo o objeto dessa nova mídia, é de forma óbvia um banco de dados, como é o caso desse vídeo “Arteezy Anti Mage — Road to 8k”: a experiência proporcionada é como uma narrativa, onde do ponto de vista de quem joga, todos os elementos ali presentes possuem algum tipo de motivação até mesmo a imagem do jogador ilustrada através de uma webcam como forma de afirmar o seu pertencimento na partida. Aqui a figura humana é colocada novamente sob o jogo, mas diferente do campeonato onde estão dentro de um aquário, o jogador é situado como um fantasma/espectro digital. Com o visível uso de inúmeras telas em paralelo na mesma superfície, o jogo executa a prática da hipermediação. É um estilo visual em que a vantagem de toda uma fragmentação, a incerteza e a diversidade reforçam o processo/desempenho (MITCHELL, William J. 1994). A montagem que é construída aqui passa a ser uma linguagem padrão com o intuito de organizar todos os elementos que compõem uma imagem.

Considerações

A partir da investigação realizada neste trabalho, é possível afirmar que através de montagens espaciais constrói-se inúmeras narrativas de um objeto da nova mídia, sendo ela um domínio da lógica algorítmica constituída por uma base de dados afim de possuir uma representação computadorizada. Trazendo este ponto para os vídeos analisados, percebe-se que a narrativa existente se consagra fundamentalmente por toda a experiência que o jogo proporciona, e essa prática tem como chave o algoritmo. A conectividade é o que caracteriza esse objeto afim de tornar autêntica a experiência de quem observa dando sentido ao processo.

Nos videologs apresentados aqui, a utilização de um mesmo espaço para apresentar de forma múltipla eventos independentes uns dos outros, não anulam nenhuma imagem transmitida: são imagens que somam para dar forma ao que se quer contar, como se o computador colecionasse memórias. Temos uma nova forma de cinema, onde espaço e tempo passam a operar de forma independente, assim como tudo o que for simultâneo não precisa necessariamente ter uma sequência. É com essa multiplicidade que a constituição dessa imagem das novas mídias se origina, uma união da presença da torcida com os jogadores imersos em um ambiente maquínico e virtual, trazendo a mistura de imagens “reais” com imagens técnicas.

Pode-se dizer que uma das implicações da narrativa, vista como um objeto da nova mídia, é uma das formas para acessar dados através da ativação de pontos distintos de uma tela como um método, onde se forma uma montagem espacial. Com isso, existe um universo a ser desbravado com base nessas lógicas computacionais ao se construir uma nova imagem/objeto que não só como forma de contar uma história, mas também uma busca inquieta de identificar que superfície pictórica é criada a partir destes videologs em meio a esse interesse repleto de quadros e molduras que se apresenta.

*Este texto é uma apresentação da análise extraída do meu trabalho de conclusão da especialização para obtenção do título de Especialista em Cultura Digital e Redes Sociais. Turma 2014/2, orientação de João Ricardo Bittencourt, Unisinos-Porto Alegre, RS

Referências

BOLTER, Jay David; GRUSIN, Richard. Remediation: understanding new media. Cambrigde: MIT Press, 2000.

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FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

FLUSSER, Vilém. Filosofia da caixa preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia. Rio de Janeiro: Sinergia Relume Dumará, 2009.

HUIZINGA,, J. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 5o. ed. [S.l.]: Perspectiva, 2003. p. 256.

MANOVICH, Lev. The language of new media. Massachusetts: MIT Press, 2001.

MCGONIGAL, Jane. A realidade em jogo. Tradução: Eduardo Rieche. Rio de Janeiro: BestSeller, 2012.

MOLDER, Maria Filomena. Método é desvio — uma experiência de limiar. In OTTE, Georg; Sedymayer, Sabrina; CORNELSEN, Elcio (Orgs.). Limiares e passagens em Walter Benjamin. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2010.

WOLF, Mark J.P. Abstraction in Video Games in Wolf, mark J.P.; PERRON, Bernard (org.). The video game theory reader. London: Routledge, 2003.

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